sexta-feira, novembro 20, 2009

Estou a dois passos... do inferno!

AAhh, o litoral! A agradável sensação da maresia que inebria e invade os corações adolescentes! Quem nunca foi tomado pelo espírito do verão, pela ansiedade de colocar os pés na areia da praia, sentir o sol escaldante, pegar jacarezinho e admirar corpos bronzeados desfilando em trajes sumários? Foi imaginando esse cenário que reagi com euforia ao convite de um amigo meu: "que tu acha de a gente ir pro Garota Verão em Capão da Canoa?". Minha cidade finalmente tinha uma bela representante na final desse tradicionalíssimo evento, e apesar de eu nunca ter sequer ouvido falar da tal finalista, me animei a torcer pela desconhecida, já que, dessa forma, poderia ir ao litoral para salvar as férias. Já faz um bom tempo isso, eu tinha 18 anos, mas lembro-me como se fosse ontem (de algumas coisas). A grande novidade daquela época era a visita de um americano na cidade. Todos queriam conhecer e falar com o recém-chegado. E eu confirmei isso na tal viagem, quando levamos ele, Joseph, para conhecer Capão da Canoa. A SAÍDA Chegou a noite marcada para a saída da excursão e estavam todos muito animados na praça, em frente ao ônibus. Os amigos da garota verão estavam eufóricos, trazendo faixas, confetes, serpentinas e, como é de costume na região, muita cerveja e outras bebidas alcoólicas para a viagem. Fomos com a galera do fundão, bebendo, conversando e dando risada, enquanto todo mundo estava curioso por causa do americano. Como eu era um dos únicos a falar inglês fluentemente, todos se dirigiam a mim para que eu traduzisse as perguntas e as respostas. No começo achei bacana, afinal, estava promovendo a integração do nosso amigo estrangeiro com a galera local, e a viagem foi seguindo e todo mundo bebendo... Na metade do caminho, todos emborrachados, rindo e gritando muito, o som de música alta ecoando pelo ônibus, e eu ainda estava fazendo as vezes de intérprete. Só que dessa vez começava a me irritar um pouco, porque os mesmos bêbados faziam a mesma pergunta dezenas de vezes, e ainda terminavam a conversa dizendo alguma merda do tipo "a gente aqui não tem muito dinheiro, mas vive feliz, o importante é ser feliz e blablabla...", mas eu pensava comigo mesmo: "gurizada tá mamada, não tem problema, natural...", e segui bebendo, e traduzindo. Foi nessa viagem que eu experimentei um fenômeno que até então eu desconhecia. De tanto ouvir perguntas em português, beber, traduzir a pergunta para o inglês, beber, traduzir a resposta do inglês para o português, e beber mais ainda, eu já não conseguia mais distinguir se o que eu estava falando era a língua tupiniquim ou o idioma yankee. Começava a falar português com sotaque de americano, e meu inglês soava naturalmente como nunca em minha vida. Batizei esse fenômeno de "Inversão Etílica da Língua Materna", já que naquela altura da viagem eu falava inglês melhor que português (dica para quem vai fazer o TOEFL ou outro teste de proficiência!). Um a um, os borrachos de plantão foram sucumbindo à força do álcool e das muitas horas de viagem e começaram a cair no sono. Mas sempre tem um pentelho que consegue ficar acordado, bebendo e incomodando todo mundo. Pra piorar, ele ficou competindo com o americano pra ver quem bebia mais. E perdeu. A última coisa que eu lembro da viagem de ida é ver o pentelho desmaiando de bêbado e ver o americano dando risada e ainda agarrando uma loira no último banco do ônibus. A CHEGADA Percebi que estávamos chegando quando o ônibus parava constantemente, em meio ao engarrafamento para entrar na cidade. Acordei meio zonzo, meu parceiro de viagem ainda estava dormindo pesadamente, olhei para fora e vi o tempo no litoral gaúcho: uma merda nublada. E pra piorar, muito vento. Fiquei chateado porque não queria que o Joseph tivesse uma primeira impressão ruim das praias brasileiras, mas daí lembrei que praia gaúcha não pode ser considerada praia brasileira e resolvi relaxar, afinal, até ocupado ele estava. Descemos do ônibus e fizemos uma rápida caminhada de umas nove quadras até chegar ao mar. Pensei que o tempo horrível pudesse ser compensado pela beleza da cidade, mas qual foi a minha surpresa ao ver a bela Capão da Canoa imunda, esgoto e lixo nas ruas do centro. O cenário era desanimador. E a ressaca também. Sentamos em algumas cadeiras no calçadão e ficamos ali pensando em beber alguma coisa. Eu não iria encarar mais álcool, mas o americano guerreiro levantou-se e, sem falar uma palavra, fez um pedido através de muita mímica à uma mulher de um quiosque próximo. Prontamente, ela atendeu ao seu pedido e puxou uma garrafa de Brahma. Fiquei pensando: "americano fdp, bebeu pra caralho e ainda vai tomar mais cerveja agora?". Ao ver a garrafa de Brahma, nosso intrépido gringo fez sinais de negativo com as mãos. Então, a atendente guardou a garrafa de Brahma, e puxou, triunfante, uma Brahma Extra. Pensei de novo: "desgraçado vai tomar cerveja extra ainda!". Joseph fez um sinal de "espera" com a mão e veio até a mim, pedindo em inglês: "cara, me ajuda ali, estou tentando pedir milho verde e ela só oferece cerveja!". Aí a gente teve que dar risada. Mas ao mesmo tempo admirei a coragem do rapaz. O EVENTO Aglomeração total próximo a plataforma de desfiles. Muitas câmeras de televisão, cartazes, gente gritando e buzinando, uma festa. Nos aproximamos da torcida da nossa cidade, e ficamos ali fazendo volume. Não tínhamos nada para ajudar na torcida, e foi aí que tivemos a idéia de juntar os papéis e confetes que estavam no chão, e atirá-los novamente ao ar, dando aquele efeito na hora que a câmera nos filmasse. E começamos a juntar aquilo tudo e jogar ao ar, como uns bobos. Era uma diversão. Aos poucos, e na pressa, ao juntar os papéis juntávamos alguma areia junto. E foi aí que percebemos como era divertido jogar areia na cabeça das pessoas com o pretexto do agito. Juntávamos uma proporção de 70% de areia com 30% de papéis e lançávamos aquele bolo ao ar, cuidando qual cabeça seria a premiada. Demais. Nem lembro de ter visto a moça desfilar. E se vi, não sabia quem era. Só sei que perdeu. O desfile terminou e ficamos vagando por aquela praia suja, nublada e fria, morrendo de fome. Encontramos uma barraquinha onde comi o melhor xis-camarão da minha vida. E voltamos ao ônibus para enfrentar a viagem de volta. A VIAGEM DE VOLTA Após entrarmos no nosso ônibus, ficamos esperando o cara que se atrasou. Sempre tem um cara que se atrasa. Ficamos parados ali, naquela tortura, enquanto não chegava o infeliz. Passou acho que quase uma hora até que alguém conseguiu descobrir que o desgraçado tinha conseguido entrar no ônibus errado, que pra sorte dele, ia pra alguma cidade da região. Pensei: "beleza, agora é hora de descansar um pouco e dormir". Ledo engano. Sempre tem um borracho que consegue resistir e continua bebendo. Esse era o único. E incomodava por uns trinta. Eu estava sentado na poltrona do corredor, e aquele chato ficou o tempo todo ao meu lado, em pé, se debatendo e gritando no meu ouvido, e eu nada de conseguir dormir. Comentei com meu amigo ao lado "cara, esse loco tá enchendo a minha paciência!", ao que pude comprovar a grande amizade que tinha com ele, quando ele propôs: "quer trocar de lugar?". Claro que troquei, e fiquei quietinho ali na janela, tentando dormir. Só que o bêbado continuou a incomodar... Quando você tem um pentelho ao lado de uma pessoa normal, geralmente o pentelho consegue incomodar plenamente até esgotar a paciência da pessoa normal. Experimente colocar então um pentelho por natureza, ao lado de um bêbado pentelho. Foi o que aconteceu com a troca. O bêbado esbarrava no meu amigo, e ele lhe desferia um cotovelasso junto com xingões. E assim foi boa parte da viagem, com os dois se "inter-pentelhando" e eu pude descansar um pouco. Lembro de ter visto o bêbado atravessar o ônibus com as calças abaixadas e gritando algo do tipo: "Peeelooos poderes de gay-que-sou!! Eu queeimo a roosca!!". Que inferno. CHEGANDO EM CASA Após uma viagem interminável, o ônibus para em frente a casa do idiota que pegou o ônibus errado pra avisar de sua façanha. O filho-da-mãe já havia chegado, e ria da nossa cara. Como eu sou um cara pacifista, contive meus impulsos de descer do bus e arrastar a cara dele no calçamento. Chegamos perto das sete horas da manhã, eu acho. Eu tinha areia nos ouvidos, no cabelo, até na cueca. Sentia-me um lixo. Caminhei da praça até minha casa, o que me pareceu mais demorado que as nove quadras para chegar ao mar. Tomei um banho e desmaiei na cama, pensando: "nunca mais na minha vida eu faço uma viagem dessas". Quando será que vai ter outra dessas??

Um comentário:

new disse...

cara...simplesmente tive que parar de ler essa comédia umas 10 vezes.
me segurei tanto pra nao rir...mas o riso era incontrolavel, saía pelas orelhas, nariz e olhos e quase fui demitido...
ééé
mas que foi forte foi...
genial essa história!!feitoria...