sábado, junho 09, 2012

A Rifa da Misericórdia


Sentou-se em frente à minha mesa no local onde trabalho uma curiosa figura. Era uma senhora de longos cabelos grisalhos, muito mal cuidados e desleixados, tinha a face enrugada e mais bigode que o vocalista da minha banda de rock aqui de Cerro Largo. Ela usava uma saia comprida e tinha em suas mãos uma folha, a qual apresentou diante de mim dizendo ser uma rifa, e pediu que eu comprasse um número.

A primeira coisa que eu fiz, lógico, foi ver o preço do número. Era cinco reais, caríssimo pra uma rifa. Olhei os prêmios, que eram só porcarias. Só então resolvi perguntar qual era a finalidade da rifa, sendo a resposta da senhora um perfeito deal-breaker para mim: "é pra ajudar com a nossa igreja na comunidade tal  e tal". Ela falou o nome do lugar, mas eu não lembro, pois no momento em que ela falou "igreja" eu já ignorei todo o resto e respondi: "minha senhora, não posso comprar sua rifa porque sou ateu e não apóio nenhum tipo de igreja".  Ao falar isso, aquela mulher, que me lembrava muito a personagem dos Simpsons da velha louca que criava centenas de gatos, arregalou os olhos como se estivesse diante do próprio capiroto, e perguntou, incrédula:

- Como assim? Mas tem que acreditar em alguma coisa!
- Pois eu acredito, senhora. Acredito que deus não existe.
- Mas e para onde tu quer ir depois que morrer?
- Eu não quero ir a lugar nenhum, pode me enterrar em qualquer lugar mesmo, ou cremar, o que der menos trabalho.
- (arregalando ainda mais os olhos) Que deus tenha misericórdia da tua alma!

E enquanto ela falava isso eu já estava indo buscar mais folhas pra impressora.

Incrível cada tipinho que aparece. Em primeiro lugar, eu duvido fortemente que esse dinheiro da rifa seja usado para o fim que ela alega ter. E em segundo lugar, não sou obrigado a acreditar em uma divindade. Nem quero entrar no mérito da questão se existe ou não existe, que é uma discussão sem fim e desnecessária por se tratar de algo muito pessoal. É uma opinião de cada um, e simplesmente cheguei à essa conclusão depois de vários anos e experiências que me levaram a pensar assim. O que me incomoda é a falta de respeito das pessoas para com a crença alheia. Infelizmente, isso sempre foi assim e sempre será. Muçulmanos que não respeitam cristãos e vice-versa, por exemplo. Até dentro do Cristianismo existe isso, entre católicos e evangélicos e tantos outros. Enfim, mais uma demonstração da babaquice e pequenez humana.

Será que um dia poderemos simplesmente viver nossas vidas, respeitando e sendo respeitados pelos nossos semelhantes?

terça-feira, junho 05, 2012

Orgulho



            Quantas vezes você já viu aquela frase "orgulho de ser...", seguida de algo como: gaúcho / nordestino / brasileiro / branco / preto / japa / gay / hétero / anão ... e mais um milhão de coisas imbecis desse tipo? Pois eu vejo isso o tempo todo, na internet, em adesivos de carro, frases de pára-choque de caminhão, em camisetas, ou simplesmente ouvindo uma conversa informal. Pois bem, toda vez que eu vejo esse slogan na verdade eu leio "orgulho de ser BABACA".

Façamos uma experiência simples. Digitar no Google o início dessa frase para ver as sugestões. Aqui está o que surgiu em minha tela:

Curiosamente, me encaixo nas quatro sugestões de pesquisa. Deve ser a sabedoria do Google que direciona os resultados de acordo com o usuário. Mas chamo a atenção para o seguinte: gaúcho, hétero, colorado e brasileiro. Quantas dessas coisas eu pude escolher ser? Vejamos:

  • Gaúcho: nasci no estado do Rio Grande do Sul, sendo, portanto, um gaúcho. Não pude escolher isso.
  • Hétero: há quem diga que a pessoa nasce com determinada sexualidade. Outros dizem que é influência do meio. Penso que em qualquer situação dificilmente alguém escolhe se quer ser gay ou hétero ou outros. Simplesmente é. Sem escolha.
  • Colorado: eu não pude escolher, estava no sangue, para minha sorte. Mas há quem escolha para qual time vai torcer. E embora eu chame esses torcedores de "modinha", eles existem e geralmente são bem orgulhosos.
  • Brasileiro: não pude escolher. Nasci aqui.

O que quero dizer é que na maioria das vezes as pessoas são orgulhosas de algo que elas não escolheram ser. E é aí que mora a babaquice.

De acordo com o maior responsável pelo desenvolvimento das monografias brasileiras, o site da Wikipédia, o conceito de orgulho é: "... um sentimento de satisfação pela capacidade ou realização ou um sentimento elevado de dignidade pessoal". Ao meu ver, isso significa que só faz sentido expressarmos orgulho por algo que conquistamos, por que lutamos. Afinal, que orgulho eu posso ter do simples fato de ser gaúcho? Nenhum! Por que alguém que nasceu no estado do RS tem que se sentir mais orgulhoso do que alguém que nasceu fora dele? Não faz diferença nenhuma! É como ter orgulho de ser de alguma raça. Você simplesmente nasceu assim. Não é algo que você conquistou. Orgulhar-se disso é demonstrar ser uma pessoa que não tem conteúdo adquirido, sem algo interessante para oferecer.

Tenho orgulho de algumas coisas. Todas elas foram conquistas minhas. Tenho orgulho de ser pós-graduado, de ser concursado do Banrisul (empresa que está no 106º lugar no ranking das 500 melhores do país), de ter meu carro, meu apartamento, ser professor de inglês e tocar em duas bandas. Pode não ser nada perto de muita gente que conheço, quero deixar claro que não estou querendo me vangloriar, quem me conhece sabe que não é de meu feitio. Mas são coisas pelas quais lutei, não simplesmente nasci com elas. Posso me orgulhar delas se eu quiser.

Portanto, se você me disser que tem orgulho de ter sua profissão eu vou achar isso bem legal. Mas se for para se vangloriar de algo pelo qual você não fez nenhum esforço para ser ou ter, então é melhor ficar calado, pois tudo que ouvirei será "orgulho de ser um baita de um babaca".