quinta-feira, novembro 05, 2015

Rótulos

Recentemente assisti a um vídeo no YouTube sobre um rapaz estadunidense que havia fingido ser homossexual por um ano, com o objetivo de vencer os próprios preconceitos (vídeo aqui). Ele acabou percebendo que suas interações sociais foram se desfazendo pouco a pouco, e devido à sua criação extremamente religiosa e conservadora, foi desprezado pelos próprios pais. Mas o que me chamou a atenção em sua palestra foi sua afirmação sobre rótulos sociais.

A sociedade americana talvez seja a que mais rotula as pessoas. É comum vermos em filmes, livros e seriados a segregação e a diferenciação de diversos grupos sociais, colocando cada um em seu lugar: branco e não-branco, americano e imigrante, gays e héteros, ricos e pobres, populares e impopulares, vencedores e perdedores, cristãos e não-cristãos, entre outros, com seus devidos estereótipos.  O que Timothy Kurek, o falso gay, afirma em certo ponto, é que quando somos crianças não temos consciência desses rótulos. Simplesmente queremos interagir com outras pessoas, como é natural do ser humano, até que o meio em que crescemos inconscientemente nos incute essas diferenciações e alimenta nosso preconceito, sem que percebamos.

Fiquei pensando sobre a minha experiência de vida. Sou um típico brasileiro, produto de mistura de raças, e acho essa miscigenação e diversidade do nosso país algo muito bonito, uma de nossas maiores riquezas. Mas nem sempre tive consciência de ser quem sou. Nunca prestei muita atenção a certas convenções sociais, e sou até ingênuo em certo ponto para perceber as coisas ao meu redor. Mas lembrei de algumas situações que me marcaram.

Tinha eu por volta de 10 anos e morava em um apartamento em Porto Alegre com minha família. Estudava em um bom colégio Marista e tinha muitos amigos, e nos visitávamos com frequência (o que não deve ser mais tão comum em grandes cidades). Certo dia recebi a visita de um colega, e enquanto atravessávamos a sala de estar, percebi através de um grande espelho que minha mãe acabara de comprar que meu amigo tinha tez muito mais clara que a minha. Foi a primeira vez que me dei conta de que não era igual aos meus amigos.

Aos meus 13 anos, mudamos para Cerro Largo, uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, com população de origem predominantemente alemã. No primeiro dia de aula a professora de geografia pergunta meu nome, como era normal ao receber um novo aluno, e em seguida pergunta se meu pai era da Andrade Gutierrez. Eu não fazia ideia do que era Andrade Gutierrez, e respondi que meu pai era policial civil aposentado. Mais tarde fiquei sabendo que era uma grande construtora responsável pela obra da BR-392 na região que havia trazido muita gente de fora. Logo, a professora a julgar pelo meu sobrenome e cor de pele, concluiu erroneamente que eu estava ali por causa da empresa. É isso que as pessoas geralmente fazem, e não fazem por mal, simplesmente rotulam as outras porque são produtos do meio em que vivem. A mudança para o interior fez-me perceber como eu era diferente daquelas pessoas ao meu redor.

Ao longo da vida vamos perdendo nossa ingenuidade. Só percebi que eu usava "tênis de marca" no momento em que um amigo comentou "olha aí, usando Nike". Pra mim era apenas um par de tênis, mas as coisas eram diferentes em 1998, e isso chamava a atenção. Isso é só um exemplo de como as interações sociais nos marcam e moldam o que somos, nos fazendo mudar a maneira como percebemos aqueles ao nosso redor.

Eu só queria que a tal inocência durasse um pouco mais. Era tudo tão mais simples e bonito...

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